domingo, 16 de agosto de 2020

A Santa Ceia astrológica e a busca das Virtudes da Alma

Em boa parte das casas que possuem alguém de orientação católica ou cristã, pode-se encontrar uma pintura herdada do período medieval. A Última Ceia de Leonardo da Vinci, obra que foi pintada entre 1494 e 1498 sob o governo de Ludovico, o Moro, e representa a última “ceia” de Jesus e seus apóstolos. Essa pintura, hoje, possui um peso maior sobre si depois do nome do pintor ter sido associado aos enigmas e códigos no romance do escritor Dan Brown, O Código da Vinci (2003), de onde puxo a relação com o Pop, por ter tido uma adaptação para o cinema com o mesmo nome, estrelado pelo ator Tom Hanks em 2006.

Tom Hanks interpreta o professor simbologista Robert Langdon e a atriz Audrey Justine Tautou interpreta a criptologista Sophie Neveu, juntos desvendam mistérios descritos na pintura de Leonardo da Vinci, deixada como pista para aqueles que fossem dignos de desvelá-la e refletissem a respeito.


A Arte foi um grande veículo de comunicação e propagação do pensamento vigente em determinados momentos da História e, claro, pelos períodos da Filosofia aqui compartilhados. Nem todas as artes eram utilizadas de maneira equitativa, mas para cada período da Filosofia temos a descrição de algumas que ganham grande importância e relevância. No Período Clássico temos a Poesia, no Período Medieval a escultura e pintura, no Período Moderno a Arquitetura e no Período Contemporâneo a expressão do corpo.

A Santa Ceia tem pintados vários conceitos e aspectos simbólicos deixados por Leonardo da Vinci após demorados estudos dentro de veias filosóficas como o platonismo tardio e o neoplatonismo. De estudos esotéricos e, além, claro, do pensamento católico dominante na Itália.

Nossa atenção aqui deve ir para os conceitos de Virtudes que devemos alcançar, trazidos por cada apóstolo. E da Excelência como pessoa que devemos buscar para alcançar a Magnanimidade de Cristo. O simbolismo deixados por Leonardo é indiferente se a pessoa é católica ou não. Porque está direcionado ao exercício da reflexão. 

Cada apóstolo na mesa está ligado diretamente a uma Casa Solar de nosso céu ou firmamento por onde passa o Sol, representado por Cristo. Isso quer dizer que a Luz ou Clareza de nosso entendimento deverá aprender cada aspecto de uma destas casas para no final de sua jornada tornar-se uma pessoa melhor.

De nosso ponto de vista, da direita para esquerda na pintura, temos na cabeceira da mesa São Simão, que corresponde ao signo de Áries. Simão indica com as mãos a direção a tomar. A liderança e a praticidade em resolver as coisas pelo bom senso e não pela preguiça. A prontidão ariana também é mostrada pelas mãos desembaraçadas, para agirem conforme a vontade e coragem.

Ao seu lado direito, Judas Tadeu, representando Touro. Seu semblante é sereno enquanto escuta Simão e vai digerindo lentamente suas impressões, suas mãos na postura de quem recebe algo, caracterizando a possessividade de alguém que é receptivo, mas que também acumula. Saber controlar os impulsos de consumo material, da ansiedade pelo apetite compulsivo é um exercício contínuo.

Mateus vem em seguida, correspondendo à Gêmeos, signo duplo que rege a interação com as pessoas e a habilidade de colher informações. Mateus tem as mãos dispostas para um lado e o rosto para o outro, revelando o hábito geminiano de falar e ouvir à todos ao mesmo tempo. Características da Comunicação, Mateus simboliza o aspecto que devemos obter da eloquência e diálogo, junto do respeito para saber conversar com todos e sobre tudo, aprendendo cada vez mais, assim, como ensinando também.

Logo após está São Filipe, representando Câncer. Suas mãos em direção ao peito mostram a tendência canceriana para acolher, proteger e cuidar das coisas. Mas não estando presos a estas coisas. Regido pela Lua, Câncer trabalha com o sentir. Filipe está inclinado, retratado como se estivesse se oferecendo para realizar alguma tarefa. A virtude da compaixão é praticada, também, no Tao e no Tantrismo. O respeito e a compaixão pelo outro é o exercício para não ficarmos presos ao individualismo egoísta. Seu defeito está em um sentimentalismo egóico, narcisista e melodramático.

Ao seu lado está Tiago Menor, o Leonino, de braços abertos, revelando nesse gesto largo o poder de irradiar amor. Que rege o coração, representado pelo coração em chamas de Cristo em outras pinturas. Tiago Menor impõe nesse gesto confiante, centralizando atenções. Quando não exercitado essa virtude, a pessoa fica presa ao vício do orgulho chamando a atenção apenas para si. O vício por Likes pode ser encarado desta maneira hoje em dia.

Atrás dele, quase que escondido, está São Tomé, o Virginiano, do famoso “ver para crer”, que, apesar de modesto, não deixa de expressar o lado crítico e inquisitivo de Virgem – com o dedo em riste ele contesta diante de Cristo. A virtude alcançada por essa casa é a da disciplina sobre si. Ver as coisas no seu devido lugar posto ou arrumado pela pessoa que age pela organização e foco, faz crer que ela pode ser assim em qualquer lugar e situação. O defeito de quem não trabalha esse aspecto é o controle abusivo, retirando a autonomia dos outros e exigindo que seja feito apenas do seu jeito e de sua forma.

Libra é simbolizado por Maria Madalena, esposa de Jesus no romance de Dan Brown. Com as mãos entrelaçadas, ela pondera e considera todas as opiniões antes de tomar posições. Libra é o setor do equilíbrio. Medir todas as informações para transformar em Conhecimento exige disciplina, pesquisa, ação, controle, comunicação, cuidado etc. Sem a medida justa podemos agir por impulsos e instintos.

Ao seu lado, está Judas Iscariotes, guarda-costas de Jesus, representando Escorpião. Com uma das mãos ele segura um saco de dinheiro, porque Escorpião rege a casa que trata dos bens e valores dos outros, e com a outra mão ele bate na mesa, protestando. Essa casa está associado aos valores esotéricos e ocultos, a Espiritualidade. Trata-se de valores que precisam ir muito mais a fundo para descobrir de maneira, agora Justa, a razão das coisas. O vício está associado a ação totalitária e tirânica.

Em seguida, Pedro, o Pescador de Almas, representando o alegre Sagitário. Foi ele quem fez o dogma e instituiu a lei da Igreja – Sagitário rege a casa das leis e filosofia. Seu dedo aponta para Jesus – a meta de Sagitário é espiritual. Ele se coloca entre Maria e Judas, trazendo esclarecimentos (luz) à discussão pela Filosofia vinda por Sagitário. Pedro é o fundamento da igreja de Cristo, portanto, a Filosofia é a pedra fundamental.

Ao seu lado está Santo André, Capricórnio. O signo mais responsável do zodíaco, que com seu gesto restritivo, impõe limites. Seus cabelos e barbas brancas e seu semblante sério mostram a relação de Capricórnio com o tempo e a sabedoria. Traz consigo aspectos ligados a criação para realização. O vício está associado ao rigor militar, sem oferecer questionamento, não utiliza o bom senso e a reflexão, mas apenas a obediência cega.

Ao lado, Tiago Maior, Aquariano, que debruça uma de suas mãos sobre seus ombros, num gesto amigável, enquanto a outra se estende aos demais. Ele visualiza o conjunto, percebendo ali o trabalho em grupo liderado por Jesus. Aquário rege a casa que é o setor dos grupos, amigos e esperanças. Está relacionado a abertura da consciência onde se liberta de rigor, ordem controladora e impedimento vindo de outrem em experimentar algo ou de viver por si. O vício desta casa está na teimosia e se fechar para o mundo.

Finalmente, sentado à esquerda, temos São Bartolomeu, o viajante, representando Peixes. Seus pés estão em destaque (que são regidos por Peixes na anatomia astrológica). Ele parece absorvido pelo que acontece à mesa e, com as mãos apoiadas, quase debruçado, revela devoção, envolvido pelo clima desse encontro. Traz o simbolismo do Yin e Yang no desenho zodiacal com os dois peixes ligados pelo fio de prata. Da soma de dois mundos pelo exercício de todas as demais casas, tem o equilíbrio entre o que age no mundo e aquilo que pensa sobre si e para si. 

Jesus, O Cristo tem a medida de todos eles. Está com uma proporção maior em respeito a seus discípulos, porque ele já dominou todas as Virtudes destas casas e as ensina agora. Sua Forma na pintura está com um triângulo velado, que simboliza o elemento transformador da vida, a sabedoria.  

Existe uma gama muito maior de símbolos na pintura. Símbolos e conceitos muito mais profundos às correntes filosóficas vigentes no tempo em que Leonardo viveu. Como a da comida servida à mesa, dos pães, dos copos pela metade com vinho. As laranjas, as romãs e os peixes que possuem, também, simbolismos de alimentos para a vida, que devemos refletir para alcançar o entendimento.

Já podemos observar detalhes daquilo que seria a obra original devido a descoberta do professor holandês de História da Arte Jean-Pierre Isbouts. O afresco original devido à deterioração perdera algumas cores e Leonardo da Vinci pintou parte da réplica exibida no museu do mosteiro da Abadia de Tongerlo.

O filme o Código da Vinci explora outros sentidos e simbolismos velados na pintura da Última Ceia, onde revelaria um mistério sobre a descendência de Cristo e de um matrimônio escondido de todas as pessoas até o momento. Mas o filme, também, tem a jornada entre o símbolo do Corpo precisando da Mente para solucionar os Mistérios. Recordemos que o professor Robert Langdon é um simbologista, portanto lê os símbolos existentes no mundo. Sempre conseguindo lembrar aquilo que vê. O que liga ao aspecto empírico dos sentidos. Já Sophie Neveu é uma criptologista. Sophie é a versão francesa de Sophia, Sabedoria. Ela decifra os códigos existentes naquilo que as pessoas só enxergam como símbolos, que pode ser desde um desenho, passando por letras, cores, números, vibrações etc. 

A escola de Heidegger chagou a conclusão que o Logos, que domina nossa forma de pensar, mostra-se capaz de captar o ser, mas incapaz de explicar a vida: o mito vem em socorro justamente para explicar a vida e, de certa maneira, superar o logos e se faz mitologia (REALI, 2014). Isso quer dizer que, precisaremos destes símbolos até certo momento, depois disso, conseguiremos pensar por nós mesmos já sem a precisão dos símbolos.

Utilizei aqui fragmentos do texto do frater Marcelo Del Debbio e parte da pesquisa simbólica sobre a pintura da Última Ceia do livro Leonardo e a Última Ceia de Ross King.

Renis R. 

Prof. de Filosofia

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